segunda-feira, 29 de setembro de 2008

talvez não.


Foi no dia em que os sinos dobraram à luz tremeluzente do alívio, que senti, por fim, o abandono deste leque de ressentimentos. Desenhei teclas partidas, risquei partituras rasgadas, e pintei notas desafinadas em tons berrantes e exaustivos. Acabou. Rasguei tudo e coloquei, sem pudor, na memória vaga do baú. Abrira-se então, de par em par, um corredor estreito, quente e embalado pelo som de um 'Nocturno' nunca antes composto. Por que raio me havias de assaltar novamente a alma, o pensamento, e toda a minha silhueta disforme que sufocava de encontro às paredes nuas do corredor? As respostas tranformavam-se em pergunta, liam-se da esquerda para a direita, e precediam um símbolo que me pareceu uma clave de sol altiva mas incoerente.



Teria eu de atravessar todo o que corredor que me gritava o teu "Não" glaciar, a fim de descortinar o findar da agonia!?



Era cruel. Era injusto. Era terrível.



Ou talvez fosse o preço a pagar por reflectir sonhos em cada íris dos meus olhos.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Não dá para aguentar mais! Vou contar-te:


Lembras-te do sorriso rasgado que o sol esboçava a cada girar da roda? Lembras-te dos meus olhos timidamente fixados nos teus, a suplicarem que me olhasses e mo dissesses, quando a voz insistia que desviasses o olhar? Lembras-te das minhas mãos suadas, trémulas e inseguras a segurar as tuas, e do largar profundo que sacudia a saudade e fazia renascer em mim a esperança de uma próxima vez ? Lembras-te da música que nos tocava com as suas asas, e dos minutos mornos em que olhavamos na mesma direcção, como um só, a chamar por ela?
Não quero que me ligues ou mandes uma mensagem confusa e indecisa, quando leres isto. Não quero sequer que faças um comentário enorme e inseguro, que me deixes de olhar, de chamar a música comigo, ou de me dar a mão. Quero que me continues a abraçar todos os dias. Quero poder continuar a sentir a luz dos teus olhos, o cheiro do teu cabelo, todas as manhãs solitárias, sem excepção. Quero que me digas tudo o que preciso de ouvir, e que me continues a dar todos os motivos e mais algum para que continue "preso" a ti, para sempre. E é ao som da chuva que hás-de ouvir o que os poetas escrevem, mas não murmuram. É ao ritmo da intermitência das luzes que vais segurar a utopia na palma das tuas mãos. E é à luz dos meus olhos, os que outrora eram incapazes de fixar os teus por breves instantes, que vais finalmente sentir o que me dilacera como fogo, presente, contigo.


Com carinho,
à Ana Queiroga.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008














"Eu procurei-te e tu surgiste em verso, bem na palma da minha mão. A utopia começava a escrever-se, límpida.

E tal como peixes a morrerem de encontro às malhas rudes da rede, as palavras morriam para o mundo, a fim de viverem para mim. Senti-me ingrato. Senti que mergulhava num universo recheado de pensamentos, apenas e só pensamentos. Sentia-os brotar naquele momento, em rebentos floridos, no jardim do espaço e do tempo. E nesse instante em que o monstro da poesia rugia de encontro ao meu peito, percebi que tinha saldado a dívida que me marcara a infância, e me fizera crescer rodeado de vagas tumultuosas.

Não corria a mais leve aragem, pelo que fechei os olhos e inspirei fundo. Sentia-me apaixonado e tentado a lutar, de novo. A vida voltara a ser o leque perfeito de pensamentos e memórias. Voltara a ser fácil ver as fotografias que não tiramos, ver os videos nunca gravados passarem, reais, no preto e branco da mente. E uma vez que os ponteiros de metal gritavam o avanço da hora, despia-me de fantasmas e levava-te comigo para a calmia soturna do profundo silêncio."

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

- Abismo -

AH! A ANGÚSTIA, a raiva vil, o desespero
De não poder confessar
Num tom de grito, num último grito austero
Meu coração a sangrar!

Falo, e as palavras que digo são um som
Sofro, e sou eu.
Ah! Arrancar à música o segredo do tom
Do grito seu!


Ah! Fúria de a dor nem ter sorte em gritar,
De o grito não ter
Alcance maior que o silêncio, que volta, do ar
Na noite sem ser!

(Fernando Pessoa, Cancioneiro)


Hoje sinto-me assim:
- Sinto, não sei se sinto ou se sei sentir o que sinto, se sinto o que sentiria se sentisse.
Hoje não sou capaz. Pura e simplesmente deixei que me cortassem as asas que me faziam voar, e escrever enquanto voava. E não quero que me digas "Sente!", não quero me grites "Não desistas e luta!", não tolero que me tentes sussurrar palavras de conforto. Eu não mereço o teu abraço, não quero o teu sorriso, e estou farto desses teus olhos que só tendem a cegar os meus. Chega! Preciso que pares. Acaba com toques puros, acaba com olhares penetrantes, e põe fim, de uma vez, à esperança que me dilacerava como fogo. Preciso do teu "Não" agora, amanhã, ou depois. Tretas! Tretas o que dizes sentir. Tretas o que me fazes pensar. Tretas, tretas, tretas! Que diabo é isto afinal !? Continua tu, só tu. No entanto, eu não quero continuar eu.

Preciso de algum tempo. Tempo para morrer e nascer de novo.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

- Outro "Sonho de Veludo" -

A,
Sinceramente, não sei o que hei-de pensar. Cada sonho surge como um avivar de imagens desfocadas. Está escuro, mas de repente alguém prime o interruptor e as pontas de ballet surgem ao fundo da sala de espelhos, mortas e incólumes de encontro ao soalho raso. Olha-me, olha-me outra vez. Perdoa-me a indiscrição, perdoa-me os olhares penetrantes, e os suspiros soturnos de contentamento. E porque sei que esta noite lá estarás novamente, não primas o interruptor... vem antes sentar-te ao meu lado, dá-me a tua mão, e voemos. "

ballet shoes Pictures, Images and Photos

Palavras, palavras, palavras.

"Não! Chegou a hora. As palavras deixaram de ser balões de água, deixaram de ser o maná. Não voltarei mais a atirá-las mortiças contra a parede da vida, não mais as estrangularei até lhes sugar todo o néctar lacrimejante que me saciava a fome de cultura. Basta de assassinar sinais de pontuação. Basta de pontapear a gramática, qual "Pessoa" enfurecido que é e não é ao mesmo tempo. Deixarei de 'escrever por escrever', e sei que chegou a altura de as juntar naquela preciosa e moribunda garrafa e lançá-las na maré ainda vaza da mente."


27 de Outubro de 2007

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Diamantes



«Falaram-me de diamantes. Não me disseram que eram pedras, não me falaram sequer em dinheiro ou pronunciaram a palavra "quilate". Fizeram-me simplesmente olhar para dentro, e vasculhar nos subúrbios da minha pequena alma, até descortinar o diamante em bruto que sou.


-Nós valemos pelo que somos, e nada nem ninguém pode penetrar nas nossas mentes e derrubar a vontade de amar e o querer ser feliz. Eu acredito, eu acreditarei sempre.

Falaram-me de diamantes. Falaram e logo senti estilhaçar-se uma ponta de desânimo. Estilhaçou-se como vidro na minha pele, e creio não mais assaltará as minhas noites ou os meus dias, nunca. Acabei de esquecer o que não consigo ser. Acabei de esvair em pó todos os metais não preciosos de que fui feito, outrora. A noite cai, e sinto que hoje, hoje não caio com ela. Doravante, serei eu próprio a velejar a minha caravela. Doravante, não haverá ressentimentos perante a crueldade do mundo, ou momentos de fraqueza capazes de me manchar os olhos de lágrimas. Eu sinto, eu posso, eu sou o ourives do meu próprio diamante, ainda em bruto.

Lá fora cai a noite, e cada constelação de diamantes percorre o meu olhar reluzente. A fadiga de estar só morreu quando vi um diamante mudar de trajectória. Não corre a mais leve aragem e cada piscar de olhos traz-me apenas a lembrança de que naquele dia... naquele dia me falaram de diamantes."»


Íris

"(...) porque a vida é demasiado importante para que desperdicemos uma parte dela longe de nós mesmos. Eu preciso de tempo para pensar, preciso de tempo para digerir as últimas semanas, que me passam na cabeça em 'sketches' inconstantes e oprimidos. Não morri, não deixei de sonhar. Apenas quero o meu refúgio de volta, com a música de fundo a embalar cada um dos meus pensamentos, cada piscar súbito dos meus olhos de novo monótono e indolor.

Eu preciso da noite e do dia, mas acima de tudo eu preciso de mim, de novo."


domingo, 7 de setembro de 2008

É certo

"Certo. É certo que o meu corpo e a minha alma emanam a destreza implacável da ausência. É certo que todos estes dias tem servido como teste. É certo. É certo que a vida é um turbilhão de cores e sabores. É certo que dela só resta o legado. É certa a brisa nocturna. São certos dois corpos, duas mentes, duas almas desconexas cuja identidade o vento agreste levou.

Certo, mas certo, é que eu regressei a este mundo ao qual pertenço.
Certo, mas certo, é que vou aprendendo com os erros furtuitos que cometo.

Estou cá, não para sempre... mas até amanhã. É certo."

17 de Outubro de 2007

Silvos

“Passam dias, passam horas, passam meses alicerçados a anos e tu persistes. Tu ficas, tu continuas tu, sempre tu. É especial, é diferente. E focando essencialmente o tempo a partir do qual ‘aterraste na minha vida’, o que posso eu dizer? Em que sentido temos nós caminhado?

-Não sei.

Sinto-te hoje melhor, sinto-me orgulhoso por poder ter-te visto subir cada um dos degraus que subiste, por te ter acompanhado na vitória de cada uma das batalhas travadas, por ter rido contigo, por ter atendido aquela ‘chamada relâmpago’ a meio da noite na qual dizias estar perdida, por ter tido o prazer de ver brilhar os teus olhos uma e outra vez prostrados nos meus. Tu jamais estarás perdida. Tu jamais caminharás sozinha, e jamais pegarás no pincel abandonada. Eu estarei sempre disposto a pintar tons quentes e suaves, traços bem definidos na ‘tela’ da tua vida.”

Tempo de maltratar cada uma das sílabas

"A fusão perfeita de um corpo e de um espírito.


Vou caminhando com passadas largas e decididas para o futuro. O tempo não mais será um problema, um pretexto. Acabaram-se os falsos temores, os falsos medos que me prendiam ao supérfluo, as falsas e vagas sepulturas mentais. Porque aprendi a acreditar nos virtuosos brilhos. Oh, vagos mas virtuosos brilhos!

A minha sombra deixou de ser negra e difusa, sempre esvaída no espaço eloquente. O tempo é."

De mãos (bem) dadas

Foram gestos. Foi o facto de seres, de sentires e quereres abraçar tudo o que sou sem pedir nada em troca, sem exigires de mim mais do que palavras, mais do que emoções. Passam horas, passam momentos e permanece o desejo intrínseco de te tocar, de te ter perto, presente. Lá fora, o vento sopra sem sequer pedir o nosso consentimento. Ausente ou presente, tornaste-te alguém. Não sei, não posso, nem sequer acho que deva tentar. Não vou enumerar adjectivos sonantes, não vou metaforizar tudo o que representas, não vou sequer discriminar tudo o que me fizeste ou fazes sentir. És demasiado especial, demasiado importante. Espero que tenhas noção de que és fulcral à minha vida, ou talvez não tenhas. Não sei até que ponto te possa convencer disso; convencer-te das minhas limitações, convencer-te das minhas fraquezas, convencer-te do que realmente defendo e no que realmente acredito. Na memória, ficarão mais do que beijos, mais do que meros suspiros. Lá fora, o vento continua a soprar.

O teu não de sempre mas para sempre amigo,
Ricardo Leitão.

Hoje

Passaram segundos. Passaram dias. Passaram séculos espontâneos desde o meu último suspiro. E hoje é dia. Hoje não existem máscaras que corroem a agonia de sentir. Hoje não existe perdão capaz de soltar o grito efémero da saudade. Hoje estou diferente, sinto-me diferente, ouço de maneira diferente. Hoje é dia de voltar a escrever por gosto. Hoje é dia de voltar a soltar suspiros carentes de palavras. Não atingi, porém, o topo. Não estou no limiar da felicidade, nem cobiço mais do que este estado de nostalgia, que não é mais do que um misto de serenidade e contentamento. Eu tenho-te. Eu sei que te tenho todos os nossos dias. Eu sei que posso sempre recorrer ao que uns dizem ser "O Segredo", e tu voltas como que instantaneamente a assaltar a minha alma, só tu e eu, sós. Não acredito que não penses em mim dez segundos por dia. Não acredito que me troques por programas evasivos ou por listas de compras rabiscadas em três tempos. Não posso sequer consentir que não amas tudo isto no que me tornei, e por isso, hoje é dia de ter certezas. Deixei de desenhar ressentimentos, deixei de pintar as minhas telas bolorentas em tons frios e sinuosos. Esqueci fobias antigas, esqueci olhares insignificantes e acabei de esquecer as "bocas" daqueles que para mim nada representam. Hoje, hoje é dia de me entregar de corpo e alma a um novo rumo, um rumo traçado numa folha de linhas, com uma caneta azul, e com a tua mão a segurar na minha.
O teu poeta,
Ricardo Leitão.

Cidade

"Transformei. Transformei as pedras gastas em lúcidos pontos finais. Abri a gaveta e retirei as fotografias a preto e branco que repousavam placidamente no cólo ebúrneo da solidão. Vislumbrei mil e um olhares displicentes, constatei a saudade de uma vida outrora sentida. Suspirei e pisquei fortemente os olhos, não fosse tratar-se de uma ilusão. Não. Desta vez era diferente. Coloquei o álbum novamente na gaveta, qual mãe colocando o seu rebento numa alcofa, sensível, maravilhada. Não era tarde, pouco passava ainda das duas da madrugada. Lá fora, o Porto fazia-se ouvir pelos uivos assustadores do vento. Senti um arrepio momentâneo e deixei o meu corpo roçar-se com mais frieza do que nunca de encontro ao pêlo do pijama. Porquê!? Porque haviam de arrancar-te de mim? Qual o motivo? Qual a crença? Qual a perfeita imperfeição? Lá fora, o vento continuava a fazer o seu papel. Soprava agora de encontro às janelas do prédio, inútil, desamparado, frio, só."


Ricardo Leitão ( dia 5, Fevereiro de 2008 )

Convicção

"Farás parte da minha essência, até ao momento em que a minha alma expulsará do meu corpo débil todas as tuas convicções, todos os teus medos, todos os teus desejos e sentimentos. Um final utópico que não faço questão de alterar."
Ricardo Leitão

Cai a noite

"Apagava a luz, e de uma vez por todas conseguia vislumbrar a claridade até então morta. Sentia-me como se o mundo fosse perfeito, a vida perfeita e toda a tua imperfeição perfeita também. Não estava enganado, a porta abria-se novamente de par em par e estava ali, de novo à mercê dos meus passos, dos meus gestos, do meu ser."


Ricardo Leitão (04/03/2008)

ausência

"Sete dias. Parei para, pela primeira vez, meter a mão à consciência e ver a triste realidade. Sete dias passados num trapézio sem rede, balanceando o meu corpo ao sabor das viragens de uma alma trémula e trespassada. Abri mão do futuro. Onde estavas Tu, meu Deus, naquele momento cruel? Em que trapézios balanceavas Tu o Teu espírito, aquando daquela hora de infortúnios? Não sei. Vou caminhando lentamente atrávés das folhas de pergaminho bolorentas e carcomidas. Sinto que nada poderá, doravante, saciar a minha sede de ti. Consigo sentir o calor das tuas vestes de encontro às minhas. Consigo sentir o toque dos teus dedos finos e húmidos de êxtase de encontro às minhas mãos. Consigo ver os teus olhos defronte da minha face colhida pela saudade. Porém, o terreno não é suficiente. Pedestal a pedestal, embrenho-me pelas desventuras do tempo. Despi o medo, despi o receio da verdade. Esqueci completamente a dolorosa pega da morte. Hoje, as incertezas naufragaram ao largo da minha praia. Agora sei que nada é em vão, e sei que não tenho medo de morrer. Ausência. Nada colmatará nunca a tua ausência."


15 de Novembro de 2007