segunda-feira, 12 de julho de 2010

Outro dia sem nome

Persegue-nos o tempo,
gritam os séculos.
Há vozes no fundo sombrio das fontes,
ouvem-se ecos de mil segredos.
Sentem-se beijos
perdidos em clausura,
suspiros cravados no ventre de botões de rosa.
Jazem preces nas pedras gélidas
erguidas em ascese,
imunes à podridão dos dias,
imunes à paixão intacta de Pedro e Inês.

A aurora desponta:
o silêncio da noite é abraçado
pelo sol de um outro dia sem nome.


(dedicado ao Mestre Arq. Manuel Botelho,
que me suportou um ano de utopias. )

Ricardo Leitão

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Cheira intensamente a solidão


O relógio marca catorze e quarenta e dois. O sol torra a mioleira numa qualquer viela sem nome, nos confins de Tomar. Ao fundo, um tal de "Calça Perra" figura como restaurante onde as noites de fado custam "22 guitarradas". Por aqui há dois tipos de pessoas: os que petiscam em refinadas esplanadas e desembolsam uma dúzia de guitarradas e nós. Muito mais alternativo alapar a seira na calçada portuguesa, encostar num muro 'random' e dividir a refeição feliz comprada no supermercado por meia dúzia de coroas com o gato de bigodes curiosos.

O sol rasga a rua e redesenha sombras esguias nas paredes caiadas de branco. Lá ao fundo, um qualquer velho do restelo, alheio ao mundo e aos trinta e poucos graus, à espera do que não volta. Cheira intensamente a solidão.

(ali sentado em Tomar, ao som de Joy Division)