domingo, 22 de março de 2009

Chão

Não corria a mais leve aragem, quando a cidade se refastelou na porltrona de todos os dias a assistir ao noticiário das oito em ponto - permaneci indiferente ao súbito suspiro rotineiro. Entrei no elevador - deserto. Premi o '0' e preparei-me para o jogo mental que fazia sempre que me encontrava num elevador: debater-me contra a possibilidade de um dia querer sair de um e não ter oportunidade. Lembro-me ainda de me ter cruzado no hall de entrada com a senhora do 1ºD, que de robe às florzinhas e chinelos de quarto do tipo "refugiado de guerra" empunhava a correspondência carrancuda - saí.
Não me lembro de mais nada. Acordei deitado na cama, com a roupa vestida, alagado em suor e com a sensação de que algo de muito estranho acontecera naquela noite. E para não variar, foi no duche que as peças do puzzle se começaram a encaixar - tu estiveras lá. Tu passaras por mim na rua. Tu que me havias seguido para aquela viela. Tu que escutaras os meus gritos abafados pelas árvores daquele jardim. Tu que pararas o baloiço que eu deixei agoniado naquele parque infantil. Tu que conseguiste entender a minha fúria para com o mundo naquela altura em que as centenas de pontos de luz, desenhados por mim no céu, se apagaram. Tu, só tu.

Tu que estiveras sempre presente, na minha ausência.
(...)

Ricardo Leitão

quinta-feira, 12 de março de 2009

Senses - Smell


“Fragrâncias únicas. A pele queimada pelo sol exalava um aroma místico e indefinido. Contrastes, dicotomias entre cores e cheiros. Na atmosfera irreal ficavam sempre aromas que o vento insistia em recordar. Terra fresca, fertilizantes, lírios brancos, a rosa encarnada acabada de colher ou uma gota de orvalho. Tudo funcionava como catarse da alma, catarse do espírito.”

( Ricardo Leitão, in 'senses' © )

quarta-feira, 11 de março de 2009

Senses - Palate


“Crepúsculo.

Sentimentos vagos que culminam na alegria de viver com simplicidade.
Assim que arrumava todas as armas incólumes, despia uma ou outra árvore de fruto. A maçã sumarenta suplicava pela vida. Oh! Incoadunável vida! Num gesto irónico mas repleto de certeza, desposava o fruto de toda a cor.”


( Ricardo Leitão, in 'senses' © )

segunda-feira, 9 de março de 2009

Senses - Audition


“A experiência desabrochava de encontro à alvorada. A sua memória era assaltada pelos Invernos passados, pelos olhares tépidos assassinados de encontro às pedras frias e gastas da lareira. O seu xaile escondia cada uma das histórias, submergia cada uma das telas pintadas, abafava cada um dos seus gritos mudos.”

( Ricardo Leitão, in 'senses' © )

domingo, 8 de março de 2009

Senses - Touch


“O sol morria de encontro ao horizonte. Fazia os seus raios fuzilar cada um dos corpos ténues, cada um dos eucaliptos erguidos em ascese. As feridas abertas e delineadas das suas mãos, embrenhavam-se naquele labirinto terrífico. A terra e a água eram o néctar lacrimante que saciava a sua sede de liberdade, a sua sede de céu.”
( Ricardo Leitão, in 'senses' © )

quinta-feira, 5 de março de 2009

Senses - Vision


“O tempo é. O tempo voa e faz voar olhares dispersos. As páginas bolorentas do tempo ditavam cada uma das letras do seu fado. De olhos e alma vendados, entregava o seu corpo nas mãos do destino. Um cruel e obscuro destino.”
( Ricardo Leitão, in 'senses' © )

quarta-feira, 4 de março de 2009

Sem Título


"Refreio o meu abismo: pressinto e enleio o toque do que te roubei, subjugado."


(Ricardo Leitão)